segunda-feira, 15 de agosto de 2011

"Visitar vovô? É complicado"

Artigo publicado no Diario de Pernambuco dia 15 de agosto de 2011

Tereza Halliday
O avô não usa redes sociais, prefere a rede na varanda, onde o beija-flor vem visitá-lo de olho na água oferecida junto às flores. Houve tempo em que a avó atraía os netos pequenos com sorvete e biscoitos feitos em casa. Exigia apenas lavassem as mãos antes de comer. Foi-se a avó, foram-se os biscoitos. Mas o avô ficou e costumava convidar para uma partida de dominó.


O avô dava carona de moto no tempo em que era um idoso sarado. Cumplicidade, sem o conhecimento da mãe, que desmaiaria só de pensar no perigo do passeio. O avô ensinou a pescar, levou ao estádio de futebol, mostrou como se corta laranja para chupá-la sem precisar descascar, deu dicas para os deveres de casa. Nunca esquecia de pôr “um agrado” sub-repticiamente no bolso dos netos, grande incremento à mesada apertada. Hoje, esquece quase tudo. Nas reuniões de família, pergunta: “Quem é você?” “Ah, Marquinhos...” repete, sorrindo, o nome do neto. E pede esclarecimentos: “Você é filho(a) de quem?”. Pergunta as mesmas coisas: “Quantos anos você tem? Está em qual série? Tem namorada (o)?”.


O avô se refere a um lugar estranho e distante chamado passado. Lá moram as mesmas pessoas de sempre, cujos nomes os netos estão saturados de ouvir. Conversar com ele, agora, não leva a lugar algum. E é constrangedor vê-lo assim, meio leso, ele que era tão atento ao noticiário político e dava conselhos inteligentes. Visitá-lo? “É complicado”...


Quando a relação começou, o status de avô trouxe grandes alegrias ao velho, não tão velho, que curtiu intensamente cada fase dos seus descendentes. Para estes, o status de neto não traz alegria, com a nova fase do avô. É duro ter de aguentar alguns minutos de visita sem ter mais o que conversar. Um beijo na careca, um afago naquela mão tão engelhada parecem agradar ao velho. Mas visitá-lo não é mais do agrado dos netos.


Os netos estão no vuco-vuco da faculdade, estágios, networking para arrumar emprego. Precisam balançar nas redes sociais, namorar, ir à balada, assistir ao concerto da banda favorita, perder horas no trânsito para ir e vir. A vida os chama a outras visitas, exige, cobra. É o Facebook, o Orkut, a ficada, o estágio, o mundo que faz sentido. Visitar vovô não faz mais sentido. Ficou chato, triste. O velhinho já não é o mesmo. E os tempos são outros. Não há tempo para visitar vovô. Mas, de uma coisa podem estar certos: nenhum neto faltará ao velório.


  


Tereza Halliday
Artesã de Textos
terezahalliday@yahoo.com


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