segunda-feira, 13 de junho de 2011

Aposentadoria na berlinda

Reportagem do Diario de Pernanbuco dia 12 de junho de 2011 

Mudanças estudadas podem deixar as regras mais duras para 56 milhões de trabalhadores

ROSA FALCÃO

 Os olhos de 56 milhões de brasileiros devem ficar bem abertos. São os trabalhadores que pagam hoje a Previdência Social para ter direito à aposentadoria no futuro. Em Pernambuco, são 1,6 milhão de pessoas. Uma nova Reforma da Previdência se costura nos gabinetes de Brasília. A mexida no modelo atual poderá deixar as regras mais duras. Quebra um paradigma ao adotar a idade mínima de 65 anos para o homem e 63 anos para a mulher se aposentar. Hoje, o Brasil é um dos poucos países onde não há limite de idade. A moeda de troca é o fim do fator previdenciário, redutor usado desde 1998 para baixar o valor do benefício. Entra em cena a fórmula 85/95, que soma o tempo de serviço e a idade. 

As mudanças são boas ou ruins para o trabalhador? Depende. Cada caso é um caso. Ganha quem começa a trabalhar e pagar cedo o INSS. Se passar o fator 85/95, em tese, uma mulher com 50 anos de idade e 35 de serviço pode se aposentar porque soma 85 pontos. Enquanto o homem com 60 anos e 35 de contribuição pode se aposentar ao somar 95 pontos. Para atingir a pontuação mais rápido, os jovens terão que pensar no futuro a partir dos 18 anos. 

O pulo do gato do fator 85/95 se chama benefício integral. É o sonho de consumo de todo trabalhador. Ganhar na aposentadoria o que recebe na ativa. Pelas regras atuais, o cálculo do benefício equivale à média das contribuições de julho de 1994 até o dia da aposentadoria, excluindo 20% dos menores salários. A média é multiplicada pelo fator previdenciário (em geral, abaixo de 1). Para achar o seu fator você faz o cruzamento da idade com o tempo de serviço. 

Especialista em direito previdenciário, a advogada Juliana Campos, do escritório Perazzo Advogados, estima que a perda com o fator previdenciário fica entre 30% e 40%. Quanto mais se aproxima do teto de R$ 3.689 do INSS, a perda é maior. “O trabalhador nunca consegue ter a renda do benefício igual ao salário da ativa porque a correção monetária não acompanha o teto”, diz. 

José Ramos da Silva tem 55 anos e 35 de contribuição. Ele começou a trabalhar desde os 15 anos carregando cana-de-açúcar num engenho. O segundo emprego foi numa pedreira usando dinamite. Há quinze anos, José é operador de máquina pesada numa empresa de transporte de lixo. Se pedir agora a aposentadoria a renda de R$ 1.085 cai para R$ 759,50 

Se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. A situação de José pode piorar se passarem as regras do fator 85/95, porque ele terá que trabalhar mais cinco anos para somar 95 pontos e se aposentar. A vantagem é o benefício integral, mas será que ele aguenta ficar no batente? “Por que eu tenho que esperar morrer para me aposentar? Tem tanta gente que nunca trabalhou e se aposenta”, protesta.

Aposentado desde 2008, Genivaldo Lopes da Silva, 58 anos, perdeu quase 30% da renda com o fator previdenciário. Técnico em eletricidade, ao se aposentar, ele tinha 55 anos de idade e 41 anos, 3 meses e 7 dias de serviço. Na época, o teto do INSS era de R$ 3.038 e o benefício calculado pela previdência foi de R$ 2.400, porque incidiu o fator previdenciário de 0,8696. Se a fórmula 85/95 for aprovada, ele somará 96 pontos na data da aposentadoria. “Estou fazendo as contas para ver se vale a pena me desaposentar”. 


MASCARO E GREG/ DP

Novas regras valem para quem é do INSS?

A pergunta que não quer calar: as novas regras da aposentadoria valem para os trabalhadores que já estão no Regime Geral de Previdência Social (INSS)? Ou serão aplicadas para as pessoas que entrarem no sistema a partir das mudanças? Há uma controvérsia que pode terminar nos tribunais. Pela tese do direito adquirido, o empregado que estiver no regime e atender às exigências para se aposentar, quando a nova lei for aprovada, pode usufruir das regras em vigor. Aqueles que não completaram as atuais condições vão se aposentar pelos novos critérios.

Por exemplo: o homem tem hoje 35 anos de tempo de contribuição e a mulher 30 anos já podem se aposentar, mas preferem retardar a aposentadoria para fugir do fator previdenciário. Se a lei mudar hoje eles já têm as condições mínimas exigidas pelo INSS. Neste caso poderão se aposentar pelas regras antigas, claro, se não trouxer prejuízo. Por outro lado, a mulher que tem 28 anos de contribuição e o homem 33 anos, quando entrarem em vigor as novas regras, poderão ser atingidos pela reforma pelo critério da idade mínima de 65 anos e 63 anos. 

Outra possibilidade é a aplicação das novas regras da aposentadoria para os trabalhadores que entrarem no regime geral a partir da data da reforma. Nada mais justo. É o que defende o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) PauloTafner, estudioso dos regimes de previdência. 

Mas se reforma acabar o fator previdenciário, Tafner diz que tem que se aplicar as novas regras da idade mínima para quem está trabalhando. Outra possibilidade é a adoção da aposentadoria por idade e não por tempo de contribuição. Segundo ele, o país vai ficar convivendo com  dois sistemas por um tempo, até que as pessoas que estão hoje na ativa se aposentem. 

Outro detalhe da reforma é que cada vez mais se aproximam as regras de aposentadoria do INSS com o serviço público. Um detalhe: no serviço público a idade mínima de 60 anos para o homem e 55 anos para a mulher já foi implantada desde 1998, com a Emenda Constitucional nº 20. Falta ainda a regulamentação da previdência complementar para o funcionário público. (R.F.) 

A expectativa das mudanças

Trabalhadores preferem adiar aposentadoria a perder no valor que passará a receber com a saída do mercado

Quando se fala em Reforma da Previdência, os trabalhadores ficam em polvorosa. Afinal, ninguém quer perder. É o caso da secretária executiva Kilma Campos, 57 anos e 33 anos de serviço. Há três anos ela já tem condições de se aposentar, mas prolonga o tempo porque terá perda financeira. Em fevereiro, no último cálculo que fez no INSS, com 33 anos, 4 meses e 21 dias de tempo de serviço, receberia R$ 2.817 de benefício da previdência. Ela fez as contas e adiou pela terceira vez a aposentadoria.

“Desde que completei 30 anos de serviço, estou acompanhando como ficam as perdas da minha renda mensal. Acho injusto ganhar menos porque eu contribui 26 anos pelo teto”. Kilma acompanha as propostas de reforma e já fez as contas: se passar o fator 85/95, ela poderá requerer a aposentadoria com valor integral. Por outro lado, se vingar a adoção da idade mínima sem tempo de contribuição, terá que completar 63 anos para poder se aposentar. “Já decidi, no início de 2012 me aposento de qualquer jeito”.

A terceira Reforma da Previdência é necessária para garantir o pagamento das aposentadorias e pensões no futuro. As mudanças nos regimes de previdência adotadas com a EC nº 20/1998 e a EC nª 41/2003 foram insuficientes para equilibrar as contas públicas. As alterações foram mais fortes na previdência dos servidores públicos, com a idade mínima e o teto. A principal reforma no Regime Geral (INSS) foi o fator previdenciário (Lei 9.876/99), que incide sobre as aposentadorias por tempo de contribuição. 

Estudiosos do tema são unânimes em dizer que as mudanças são para ontem. “A terceira reforma é mais do que urgente. Corre-se o risco de privilegiar a geração passada em detrimento da geração futura”, comenta a economista Meiriane Nunes Amaro, Centro de Estudos de Consultoria do Senado. Autora do estudo A terceira reforma da previdência – Até quando esperar?, ela mostra o impacto da mudança da pirâmide etária da população brasileira nas contas da previdência. 

Pelas projeções do IBGE, a expectativa de vida do brasileiro deverá pular de 73,4 anos para 81 anos nos próximos 20 anos. Em 2010, os idosos com mais de 60 anos somavam 19,3 milhões. Passarão a ser 28,3 milhões em 2020 e 40,5 milhões em 2030. Ao mesmo tempo, a taxa de natalidade é de dois filhos por casal. São mais idosos recebendo por mais tempo a aposentadoria e menos contribuintes para pagar o INSS. Em 2030, os gastos com as aposentadorias e pensões devem atingir a cifra de R$ 548,2 bilhões/ano.

Paulo Tafner é taxativo: “Estamos atrasados com a reforma. É claro que o país não vai quebrar agora, mas a cada ano que passa, as medidas têm que ser mais severas. É o mesmo que constatar uma infecção e ter que tomar um antibiótico a cada 8 horas. Se demorar a tomar o remédio, a dose será mais forte, por mais tempo e com riscos maiores”, compara.

Comparado aos países desenvolvidos e alguns países do Mercosul, o Brasil tem um dos sistemas previdenciários mais benevolentes. Tafner cita o modelo sueco e o alemão interessantes, porque além da idade mínima para a aposentadoria, o valor do benefício é proporcional ao valor das contribuições. “Na Suécia, quem contribuiu mais recebe mais, além de ter um teto de aposentadoria”.

Outro exemplo apontado pelo pesquisador do Ipea é o modelo japonês. A idade mínima – hoje de 70 anos – é flexível e ajustada a cada dez anos quando é atualizada a tábua de idade com a realização do censo demográfico. (R.F.)

saibamais

aposentadorias e pensões pelo mundo

Brasil
não exige idade mínima para a aposentadoria, só conta tempo de contribuição de 35 anos para homem e 30 anos para mulher. A pensão é vitalícia com valor de 100% da aposentadoria do falecido 

Alemanha
60 anos com carência de 15 anos de contribuição (homem) e 10 anos (mulher). Cônjuge com menos de 45 anos tem 25% do valor e com mais de 45 anos tem 55%

Argentina
60 anos (homem) e 55 anos (mulher) com trinta anos de contribuição. Viúvas sem filhos recebem até 70% do valor de referência

Bélgica
60 anos com 35 anos de contribuição para homem e mulher e pensão para viúvas com mais de 45 anos e pelo menos um ano de casamento

Canadá
60 anos sem tempo mínimo de contribuição (homem e mulher)

França
62 anos de idade com 40 anos de tempo mínimo de contribuição e 67 anos de idade com 41 anos e meio de tempo mínimo de contribuição

Espanha
idade mínima de 65 anos para aposentadoria integral e redução de 8% para quem se aposentar a partir dos 60 anos

Portugal
idade mínima de 65 anos para aposentadoria , e pensão com valor limitado a valor igual a 60% do rendimento do falecido limitado a cinco anos

Chile
privatizou a sua previdência desde 1981 criando um regime de capitalização de contas individuais. A pensão da viúva é de até 60% dos rendimentos do falecido

Estados Unidos
idade mínima de 67 anos para os nascidos a partir de 1960. A aplicação dessa regra vai até 2027. Viúva com menos de 50 anos e que se casa antes dos 60 anos não recebe pensão

Fonte: Ipea, Senado, IBDP, MPS
 
Pensões viram o novo alvo

As pensões por morte do INSS estão na mira da terceira Reforma da Previdência. Pelas regras atuais, o benefício no Brasil é vitalício, o valor é igual ao salário do falecido(a) e não existe limite de idade para a concessão da pensão. Além disso, pode haver o acúmulo da pensão com a aposentadoria. A proposta em discussão no grupo de estudos do Ministério da Previdência Social proíbe o acúmulo dos benefícios. O beneficiário vai optar pelo tipo do seguro ou o maior valor. Se estuda também o fim da integralidade e a adoção de um percentual de 80% do último salário do morto.

Melissa Folmann, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), diz que a ideia é aproximar as regras das pensões com outros países. Segundo ela, na França, Alemanha, Espanha, Argentina e Uruguai, o valor do benefício fica entre 50% e 70% do salário do segurado. Segundo Melissa, o MPS estuda também o fim da pensão das viúvas jovens, que se casam com as pessoas mais idosas para ter direito ao benefício. A advogada considera esta medida discriminatória porque vai entrar na intimidade da vida dos casais. 

Para o pesquisador do Ipea Paulo Tafner, finalmente o MPS se convenceu das distorções na concessão das pensões por morte no Brasil. “Tem que ser adotado pelo menos um tempo mínimo de contribuição para ser concedida a pensão”. Tafner diz que o primeiro passo da reforma é fixar o mínimo de 12 contribuições para conceder a pensão ao beneficiário. 

Citando o exemplo de outros países, o pesquisador destaca que é fundamental alterar o cálculo do valor da pensão. O argumento dele é que uma viúva com três filhos menores deve receber o benefício integral, mas uma mulher que fica com os filhos maiores ou com uma prole menor deve ter o valor da pensão proporcional. “Há alguns países onde a viúva sem filhos recebe 50% da renda do falecido”. 

Outro benefício que deve ser alterado com a reforma é o auxílio-reclusão, concedido às famílias dos presos de baixa renda. Os critérios da baixa renda são modificados a cada ano por portaria interministerial, atualizando o valor do benefício, o que gera distorções.(R.F.) 


Infografico


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